O termo “sobrenatural” refere-se a esfera
da realidade que está para além do mundo natural. Consagrado pelo uso
recorrente por parte da igreja, o termo possui uma história
relativamente recente na tradição cristã.
Somente a partir do iluminismo, com a progressiva ascensão do método
científico naturalista, o termo passou a integrar o rol de categorias da teologia cristã. O uso
da palavra “sobrenatural” pode ilustrar uma legítima tentativa da igreja para se articular contra o
materialismo-- proposição
filosófica que restringe a existência aos limites da matéria. No entanto, quero
argumentar que a aceitação da noção de “sobrenatural” é reflexo de uma
fragmentação do cristianismo. A ideia do sobrenatural deriva de uma percepção equivoca da realidade, ela pressupões um universo
mecânico, que subsiste sem a constante dependência de seu criador.
David
Hume, filósofo escocês apontado como pai do empirismo, baseou seu pensamento na
pressuposição de que para ser reconhecido como verdade, um fato precisa passar pelo crivo da análise empírica. Ele revolucionou a filosofia porque seu
exclusivismo referente ao método empírico acaba por excluir Deus do escopo do
universo conhecível. Se Deus não pode ser averiguado pelo método científico,
então não há nada que se possa saber sobre Ele. Daí dizer que Hume era um agnóstico—alguém que
afirma que não ser possível saber a cerca
de Deus. Ironicamente, ao negar a possibilidade do conhecimento de Deus, Hume se torna o único indivíduo capaz de saber sobre Deus, no caso, que
não é possível saber sobre a divindade. De qualquer forma, Hume iniciou o movimento
que excluiu Deus daquilo que o pensamento moderno chama de mundo natural.
A
consagração do empirismo colocou a igreja em uma situação inconfortável. Restavam então duas possibilidades. Por um lado, a igreja poderia negar de uma só vez
a racionalidade do empirismo sob pena de ser novamente
taxada de retrograda e irracional. Por outro lado, ela poderia encontrar brechas para afirmar sua fé
dentro do paradigma da modernidade. A noção
do sobrenatural é justamente a
alternativa encontrada pela igreja para acomodar a esfera da fé dentro das categorias do pensmaneto moderno. Ou seja, dentro de uma racionalidade que coloca o método
científico naturalista como único capaz de mensurar a realidade, a igreja precisou se render a esfera do sobrenatural como a única alternativa para classificar a experiencia humana em relação a divindade. O sobrenatural acabou se tornando o fio de esperança para aqueles que ainda queriam continuar afirmando o domínio de Deus sobre o universo. A ideia do subrenatural se tornou um suspiro de fidelidade de uma igreja exprimida pela cosmovisnao da filosofia moderna. Um articulação compreensivel, mas que trouxe consequências graves
para a saúde da teologia cristã. Ao falar em sobrenatural a igreja se submete a uma dicotomia entre mundo natural e mundo não natural, presente no empiricismo de Hume e no pensamento moderno.
É
preciso recordar que o termo sobrenatural não é utilizado nas Escrituras. Basta observar, por exemplo, as narrativas bíblcas dos feitos de Deus para com o povo de Israel ou mesmo das curas e prodígios que Cristo
operou. Os termos bíblicos usados para se referir a acontecimentos como aqueles
são “sinais e maravilhas”. Essa escolha
terminológica por parte dos autores bíblicos reflete uma maneira diferente de entender o
mundo. Para eles, a divisão entre natural e sobrenatural não
faz sentido, já que eles creem, no mais profundo de suas existências, que tudo
o que acontece está debaixo do governo de Deus. Tomás de Aquino, escrevendo na
alta idade média, reflete essa cosmovisão bíblica ao afirmava que “[t]odos os corpos materiais são governados
pelos anjos.”[1] Os
termos “sinais e maravilhas” são, dessa forma, categorias que possibilitam o
reconhecimento de que em alguns casos específicos o governo de Deus sobre todo o
universo opera de maneira prodigiosa, o que caracteriza um propósito divino particular. Usando uma linguagem moderna, os escritores bíblicos
apresentam uma profunda convicção de que
tanto o nascer dos sol quanto a ressurreição de Lazaro devem ser
vistos como sobrenaturais. A diferença é que no caso da ressurreição de Lazaro, por exemplo, há
um significado mais específico referente a uma revelação dos propósitos divinos. Nesse sentido, diferentemente da idea do sobre natural, a linguagem “sinais
e maravilhas” denota os prodígios divinos mas resguardardando o entendimento de que Deus sustenta toda a existência.
Se
submeter a lógica subjacente a ideia do sobrenatural é negar o senhorio do Deus
manifestado em Cristo. Como observa o
teólogo David Bently Hart, por detrás da noção do sobrenatural está um mundo
mecânico que funciona por si só e que, por isso, não depende da ação contínua de
seu Criador. Hart se refere ao conceito
Newtoniano do universo. É um mundo que até reflete a perfeição do criador/relojoeiro, mas que condiciona Deus aos limites
da natureza do universo criado.[2] É somente dentro de sistema que pressupõe uma entendimento neutra e matemática de natureza, que alguém poderia conceber o teísmo-- a concepção de um deus que pode ser
racionalmente alcançado mas que é incapaz de apresenta
um conteúdo ético e moral tangível. Em outras palavras, o teísmo fala sempre
sobre um deus onipotente, onipresente,
onisciente, mas que não possui cara e coração. O Cristianismo, ao contrário propõe um Deus que se torna conhecido em Cristo. É somente em Cristo, aquele que
contraria a lógica do mundo Newtoniano, que somos capazes de conhecer o Deus vivo. Como
observa o apóstolo Paulo, Cristo é a face do Deus invisível (Col 1:15), Ele é o
único capaz de mediar o conhecimento pleno de Deus. Deus que se revela em Cristo sustenta o universo, não o deus newtoniano! Somente o sangue
de Cristo, conhecido antes
da fundação do mundo, pode dar sustentação a própria existência. (IPed 1:20)
Isso quer dizer que sou contra a ciência? Não! O estudo científico correto também reflete o senhorio
divino. Afinal de contas, é somente através da pressuposição teológica de que o
universo é inteligível que algo como a ciência pode existir. Se a ciência
procura explicar, é porque ela acredita que seu objeto de estudo possui uma
explicação possível. A ciência é, nesse sentido, o ramo do conhecimento mais contrário ao materialismo. Ela só
existe porque agasalhar a proposição teológica de que o mundo possui significado. Em um universo materialista, em que tudo é matéria, é
impossível buscar uma explicação para a realidade. Nesse universo, a própria
explicação seria matéria, um produto do acaso e por isso mesmo sem um significado
transcendente. Sem a fé de que o mundo
possui explicação, a ciência desaparece. A ciência, nesse sentido, depende da
teologia para existir. Parafraseando o autor da carta aos Hebreus, sem fé é impossivel agradar a ciência.
Se não é uma crítica a boa ciência o texto é um alerta. Frente a noção
do sobrenatural, a igreja precisa resgatar o significado do senhorio de Deus
sobre o universo na figura de Cristo. Ela necessita revisitar a noção de que Cristo não se submete a uma
explicação matemática do cosmos. Falar de um Deus que se faz homem e morre na
cruz é, em um determinado aspécto, abandonar a lógica do sobrenatural uma vez que é justamente esse
Deus que cria e sustenta o universo. O conceito do sobrenatural se submete a cosmovisão que propõe um deus adestrado e previsível, que segue os padrões presente na lógica do
mundo natural. Se existe salvação- Deus que se humilha em Cristo levando sobre si os pecados da humanidade-, então “o
sobrenatural” não existe! A lógica da Cruz é o que sustenta toda a realidade
visível e invisível e não há mais que se falar em sobrenatural. Essa lógica de amor e graça contraria a concepção de um universo fechado, presente tanto na perspectiva empirista como na cosmovisão Newtoniana.
Em Cristo temos a certeza de que o movimento das galáxias, a rotação harmoniosa da terra, a dança cordial entre o sol e a lua; tudo reflete sua cruz em sua graça, justiça, poder e amor! Deus não é reflexo do mundo que entendemos por meio da ciências naturais, Ele é a razão pela qual a própria ciência se torna possível. Somente em Cristo entendemos a existência. É por isso que eu não acredito em sobrenatural!
Em Cristo temos a certeza de que o movimento das galáxias, a rotação harmoniosa da terra, a dança cordial entre o sol e a lua; tudo reflete sua cruz em sua graça, justiça, poder e amor! Deus não é reflexo do mundo que entendemos por meio da ciências naturais, Ele é a razão pela qual a própria ciência se torna possível. Somente em Cristo entendemos a existência. É por isso que eu não acredito em sobrenatural!
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