sábado, 29 de junho de 2013

Não Acredito em Sobrenatural!


           O termo “sobrenatural” refere-se a esfera da realidade que está para além do mundo natural. Consagrado pelo uso recorrente por parte da igreja, o termo possui uma história relativamente recente na tradição cristã.  Somente a partir do iluminismo, com a progressiva ascensão do método científico naturalista, o termo passou a integrar  o rol de categorias da teologia cristã. O uso da palavra “sobrenatural” pode ilustrar  uma legítima tentativa da igreja para se articular contra o  materialismo--  proposição filosófica que restringe a existência aos limites da matéria. No entanto, quero argumentar que a aceitação da noção de “sobrenatural” é reflexo de uma fragmentação do cristianismo. A ideia do sobrenatural  deriva de uma  percepção equivoca da realidade, ela  pressupões um universo mecânico, que subsiste  sem a constante dependência de seu criador.
            David Hume, filósofo escocês apontado como pai do empirismo, baseou seu pensamento na pressuposição de que para ser reconhecido como verdade, um fato precisa passar pelo crivo da análise empírica. Ele revolucionou a filosofia porque seu exclusivismo referente ao método empírico acaba por excluir Deus do escopo do universo conhecível. Se Deus não pode ser averiguado pelo método científico, então não há  nada que se possa saber sobre Ele. Daí  dizer que Hume era um agnóstico—alguém que afirma que não ser possível saber a cerca de Deus. Ironicamente, ao negar a possibilidade do conhecimento de Deus, Hume se torna o único indivíduo capaz de saber sobre Deus, no caso, que não é possível saber sobre a divindade. De qualquer forma, Hume iniciou o movimento que excluiu Deus daquilo que o pensamento moderno chama de mundo natural.
            A consagração do empirismo colocou a igreja em uma situação inconfortável. Restavam então duas possibilidades. Por um lado, a igreja poderia negar de uma só vez a racionalidade do empirismo sob pena de ser  novamente  taxada de retrograda e irracional. Por outro lado, ela poderia encontrar brechas para afirmar sua fé dentro do paradigma da modernidade.  A noção do  sobrenatural é justamente a alternativa  encontrada pela igreja para acomodar a esfera da fé dentro das categorias do pensmaneto moderno. Ou seja, dentro de uma racionalidade que coloca o método científico naturalista como único capaz de mensurar a realidade,  a igreja precisou se render a esfera do sobrenatural como a única alternativa para classificar a experiencia humana em relação a divindade.  O sobrenatural acabou  se tornando o fio de esperança para aqueles que ainda queriam continuar  afirmando o domínio de Deus sobre o universo. A ideia do subrenatural se tornou um suspiro de fidelidade de uma igreja exprimida pela cosmovisnao da filosofia moderna.  Um articulação compreensivel, mas  que trouxe consequências graves para a saúde da teologia cristã. Ao falar em sobrenatural a igreja se submete a uma dicotomia entre mundo natural e mundo não natural,  presente no empiricismo de Hume e no pensamento moderno.
            É preciso recordar que o termo sobrenatural não é utilizado nas Escrituras. Basta observar, por exemplo, as narrativas bíblcas dos feitos de Deus para com o povo de Israel  ou mesmo das curas e prodígios que Cristo operou. Os termos bíblicos usados para se referir a acontecimentos como aqueles são “sinais e maravilhas”.  Essa escolha terminológica por parte dos autores bíblicos reflete uma maneira diferente  de entender o mundo.  Para eles,  a divisão entre natural e sobrenatural não faz sentido, já que eles creem, no mais profundo de suas existências, que tudo o que acontece está debaixo do governo de Deus. Tomás de Aquino, escrevendo na alta idade média, reflete essa cosmovisão bíblica ao afirmava que  “[t]odos os corpos materiais são governados pelos anjos.”[1] Os termos “sinais e maravilhas” são, dessa forma, categorias que possibilitam o reconhecimento de que em alguns casos específicos o governo de Deus sobre todo o universo opera de maneira prodigiosa, o que caracteriza um propósito divino particular. Usando uma linguagem moderna, os escritores bíblicos apresentam uma profunda convicção de que  tanto o nascer dos sol  quanto a ressurreição de Lazaro devem ser vistos como sobrenaturais. A diferença é que no caso da ressurreição de Lazaro, por exemplo, há um significado mais específico referente a uma revelação dos propósitos divinos. Nesse sentido, diferentemente da idea do sobre natural, a linguagem “sinais e maravilhas” denota os prodígios divinos mas  resguardardando o entendimento de que Deus sustenta toda a existência.
            Se submeter a lógica subjacente a ideia do sobrenatural é negar o senhorio do Deus manifestado em Cristo.  Como observa o teólogo David Bently Hart, por detrás da noção do sobrenatural está um mundo mecânico que funciona por si só e que, por isso, não depende da ação contínua de seu Criador.  Hart se refere ao conceito Newtoniano do universo. É um mundo que até reflete a perfeição do criador/relojoeiro, mas que condiciona Deus  aos limites da natureza do universo criado.[2]  É somente dentro de sistema  que pressupõe uma entendimento  neutra e matemática de natureza, que alguém poderia conceber o teísmo--  a concepção de um deus que pode ser racionalmente alcançado mas que é incapaz de apresenta um conteúdo ético e moral tangível. Em outras palavras, o teísmo fala sempre sobre  um deus onipotente, onipresente, onisciente, mas que não possui cara e coração. O Cristianismo, ao contrário propõe um Deus que se torna conhecido em Cristo.  É somente em Cristo, aquele que contraria a lógica do mundo Newtoniano, que somos capazes de conhecer o Deus vivo. Como observa o apóstolo Paulo, Cristo é a face do Deus invisível (Col 1:15), Ele é o único capaz de mediar o conhecimento pleno de  Deus. Deus que se revela em Cristo  sustenta o universo, não o deus newtoniano! Somente o sangue  de Cristo,  conhecido antes da fundação do mundo, pode dar sustentação a própria existência. (IPed 1:20)
            Isso quer dizer que sou contra a ciência? Não! O estudo científico correto também reflete o senhorio divino. Afinal de contas, é somente através da pressuposição teológica de que o universo é inteligível que algo como a ciência pode existir. Se a ciência procura explicar, é porque ela acredita que seu objeto de estudo possui uma explicação possível. A ciência é, nesse sentido, o  ramo do conhecimento mais  contrário ao materialismo.  Ela só  existe porque agasalhar a proposição teológica  de que o mundo possui significado.  Em um universo materialista, em que tudo é matéria, é impossível buscar uma explicação para a realidade. Nesse universo, a própria explicação seria matéria, um produto do acaso e  por isso mesmo sem um significado transcendente.  Sem a fé de que o mundo possui explicação, a ciência desaparece. A ciência, nesse sentido, depende da teologia para existir. Parafraseando o  autor da carta aos Hebreus, sem fé é impossivel agradar a ciência.
Se não é uma crítica a boa ciência o texto é um alerta. Frente a noção do sobrenatural, a igreja precisa resgatar o significado do senhorio de Deus sobre o universo na figura de Cristo. Ela necessita revisitar a noção de que Cristo não se submete a uma explicação matemática do cosmos. Falar de um Deus que se faz homem e morre na cruz é, em um determinado aspécto, abandonar a lógica do sobrenatural  uma vez que é justamente esse Deus que cria e sustenta o universo. O conceito do sobrenatural se submete a cosmovisão que propõe um deus adestrado e previsível, que segue os padrões presente na lógica do mundo natural. Se existe salvação- Deus que se humilha em Cristo  levando sobre si os pecados da humanidade-, então “o sobrenatural” não existe! A lógica da Cruz é o que sustenta toda a realidade visível e invisível e não há mais que se falar em sobrenatural. Essa lógica de amor e graça contraria a concepção de um universo fechado, presente tanto na perspectiva empirista como na cosmovisão Newtoniana. 
 Em Cristo temos a certeza de que o movimento das galáxias, a rotação harmoniosa da terra,  a dança cordial entre o sol e a lua; tudo reflete sua cruz em sua graça, justiça, poder e amor!  Deus não é reflexo do mundo que entendemos por meio da ciências naturais, Ele é a razão pela qual a própria ciência se torna possível. Somente em Cristo entendemos a existência.  É por isso que eu não acredito em sobrenatural!



[1] Tomás de Aquino  citado em Hart, David Bentley. The Doors of the Sea: Where Was God in the Tsunami? Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 2011. Print. 49-52

[2] Hart, David Bentley. The Doors of the Sea: Where Was God in the Tsunami? Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 2011. Print. P 48

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