quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Tretas na Internet e a Idolatria da (in)verdade

"Sem Deus, até mesmo a verdade é um ídolo, até a justiça é um ídolo"- 
                                                                                           Henri deLubac
                         
Em tempos de ilimitado acesso a informação, uma juventude altamente iluminada passa a colar diariamente em suas mídias sociais fatos inquestionáveis recortados nos mais instantâneos e cofiáveis mecanismos de pesquisa online. Num intervalo de um vídeo tutorial, autointitulados especialistas se proliferam a ponto de só haver ensinastes nessa geração. O problema não é somente a popularização da informação na mão de jovens sem o mínimo de treinamento moral para utilizá-la. A tragédia maior é constatar que talentosos jovens, que se dizem cristãos, estão se submetendo a uma danosa fragmentação do conceito de verdade. Acreditam em uma verdade impessoal, insensível com absoluta desumanidade. 

   "O Que é a Verdade? - Jesus e Pilatos" Nikolai Ge

Em seu diário devocional, o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard, reflete sobre a essência da verdade em contraposição a postura moderna em relação ao conhecimento. 
A verdade, explica o filósofo, não é meramente objetiva, não é simplesmente um fato que sabemos ou algo a que nos referimos. A observação de Kierkegaard nos leva a concluir que a verdade como proposição objetiva e impessoal, desconectada da natureza de Deus, é de fato um ídolo moderno.

O ídolo (in)verdade reina apenas lá fora e cria uma falsa sensação de segurança diante do caos. Como todos os demais falsos deuses, ele afirma exatamente quem somos sem exigir de nós a incorporação do que é afirmado. Ele nos paraliza por meio da ideia de que saber sobre  a verdade é exatamente o mesmo que conhecer íntimamente a verdade. Penso que a afirmação de Tiago de que até os demônios sejam conhecedores da verdade, se relaciona a esse conceito deturpado da verdade. 

A verdade aceita pelos demônios funciona como amuleto místico de pretensa ordem e significado mas que produz apenas ódio e caos. É o ethos iluminista de certeza que motiva a revolução em nome da luz mas que se revela plenamente trágica e brutal na guilhotinha de Robespierre. O ídolo (in)verdade, é ferramenta de destruição da humanidade alheia, objeto de manuseio para o convencimento barato e tecnologia para coisificação da vida.  Avalie em si mesmo se os muitos embates que adentramos nas redes em nome da  “verdade de Deus e do evangelho” não escondem, por vezes, o desejo pernicioso de estar certo e de ter razão. Uma atitude de demonstrar que compreendemos e encapsulamos os mistérios da existência em nossa mente. E observe se essas certezas nos levam veloz e ferozmente ao “racca” que o Senhor Jesus condenou como “assassinato”?   

Kierkegaard nos lembra que a verdade expressa nos evangelhos é antes de tudo uma pessoa a quem devemos amar. Se Cristo é a encarnação plena do Verbo, então Deus se manifestou no mundo não como mera objetividade mas como objetiva pessoalidade. A verdade absoluta é uma pessoa que ama a ponto de se entregar em obediência ao Pai para o benefício do mundo. Isso choca o relativismo pós moderno, mas abala cabalmente a impessoalidade cognitivista do conhecimento moderno. Verdade como mera objetividade é uma anti-verdade porque a VERDADE impõe-se sobre nós como Verbo que se entrega. Nos dizeres do filósofo Dinamarquês, "você só conhece a verdade quando ela se torna um a VIDA em você." A verdade do ponto de vista cristão é essência da incorporação do SER. Ou seja, assim como Cristo é O caminho, a Verdade só pode se manifestar por meio desse Caminho. Uma vereda estreita de luta para incorporação da VERDADE. O que Kierkegaard chamou de "reduplicar", que significa existir na verdade que se acredita.

A batalha do Verbo para se manifestar por completo como revelação de Deus em forma humana, vencendo o pecado, sendo morto na cruz e só assim se apresentando a nós como graça e favor imerecido, exige de nós entrega total para que A VERDADE seja incorporada em nós pela via da santificação. A relação possível com a verdade é também de cunho pessoal. Assim, a VERDADE sem AMOR é impossível pois é a negação da própria existência. Veja! contemplar a verdade de forma genuína produz em nós o senso da responsabilidade que nos leva a abraçar uma luta existêncial para viver NA Verdade e proclamar a verdade tendo o amor como a sentinela dos nossos lábios. 


A convicção de estar na Verdade nos possibilita apresentar fatos e argumentos com doçura, amor e graça, não porque possuímos a verdade mas porque Ela habita em nós e assim somo possuídos por Ela.   

sábado, 4 de fevereiro de 2017

Quem é o Irmão mais velho?

Vivendo em uma era em que predomina o liberalismo moral e religioso, é extremamente fácil demonizar o legalismo e o conservadorismo. por essa razão, me parece que no imaginário contemporâneo o irmão mais velho presente na parábola do filho pródigo é visto como o verdadeiro vilão. A espiritualidade supermoderna encerra no irmão mais velho tudo aquilo que abomina, como tradicionalismo, o legalismo e a falta de graça.

Apresentamos extrema  facilidade em nos identificarmos com o irmão mais novo. O pecador que encontrou a graça. Um olhar mais aguçado na situação do irmão mais novo pode revelar tudo aquilo que trazemos dentro de nós.  Imagine que você vive no mundo antigo. Como irmão mais velho, você teria o direito de herdar o dobro do que os outros irmãos herdariam. Seu irmão mais novo quis seu pai morto para viver os prazeres da vida com intensidade e irresponsabilidade. Esse mesmo irmão irresponsável decide voltar para casa depois de desperdiçar a porção que lhe cabia da herança.  Surpreendentemente seu pai decide trazer novamente seu irmão para dentro da família. Sabe o que isso significa? Você, como irmão mais velho, terá que dividir a herança novamente com seu irmão mais novo. O perdão do seu pai também custou muito a você. E seu pai impôs esse custo a você sem perguntar a sua opinião. Nessa nova perspectiva você ainda considera  a revolta do irmão mais velho algo longe da sua realidade? Vejamos.

Volte para o mundo moderno. Observa as preferencias políticas e teológicas daqueles mais liberais. Os simpáticos do liberalismo teológico não aceitam que Deus possa ter graça para aqueles irmãos que votaram no Trump, ou que lutam ferrenhamente contra o aborto, ou que afirmem que a verdade do evangelho seja o perdão dos pecados por meio de Jesus, ou que lutem pelo conceito bíblico de casamento. Num certo sentido, oas mais liberais são também como irmãos mais velhos que praticam o legalismo do relativismo. Os mais liberas morrem se revoltam e chamam Deus para o lado de fora da festa de reconciliação. Eles perguntam, como alguém que se simpatizam com os Estados Unidos ou focam em demasia no pecado, ou critiquem o multiculturalismo pode receber o perdão de Deus? Concluem os mais liberais, eles não passam de irmãos mais novos que encontram seu prazer na sua religiosidade. Assim como o irmão mais velho eles clamam, esses legalistas não merecem estar na festa!


A pergunta fundamental é, quem, de fato, seria o irmão mais velho?

A complexidade do pecado nos lembra que somos ao mesmo tempo o irmão mais novo e o irmão mais velho. Da mesma forma que somos capazes de agir irresponsavelmente com os recursos que Deus nos deu, somos capazes de agir com legalismo e assumir a própria posição de Deus para questionar  quem pode ou não receber Sua Graça. 

Ler a Bíblia buscando associar  ideias teológicas e políticas com as quais você não concorda com os fariseus e irmãos mais velhos, pode ser um sinal de que você mesmo se tornou um deles. Conformar os preceitos de Deus a sua visão política é a própria definição de idolatria.
Deus é surpreendente em tudo que faz! Ele é extremamente revolucionário na perspectiva dos conservadores e extremamente conservador na perspectiva dos revolucionários.

Nunca se esqueça de que na narrativa bíblica, sempre que algum vilão aparece, ele representa o que todos nós somos sem a graça de Deus. Deus nos amou quando ainda éramos pecadores e somente através de Cristo Ele noa oferece possibilidade de reconciliação. A Cristo toda honra e Glória!

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Dia Santo (Um conto sobre a religiosidade da juventude brasileira)


Acordou com a cabeça confusa por causa das palavras do último encontro. Depois de toda aquela explicação da semana passada, as coisas começaram a tomar um sentido cabal. Ele sabia que dessa vez não seria muito diferente. Os temas e abordagens até sofrem alguma variação, mas o pano de fundo da pregação permanece o mesmo.  Vestiu sua roupa e tomou café ao som da TV que, da sala, propagava as ilusões desse mundo. Mais do que nunca ele estava certo de que caminhava para o céu e que nem mesmo as perversões do noticiário ou o fetiche do intervalo comercial seriam capazes de lhe privar de seu destino final. Pegou o livro e saiu de casa. 
Uma vida inteira! Foi o que ele experimentou em flashes desordenados que insistiam em povoar sua mente durante o trajeto entre seu apartamento até a congregação. As pessoas em sua idade têm a capacidade de visitar todas as esquinas de sua autobiografia em um intervalo de poucos minutos. Pode se dizer, então, que ele teria quase uma eternidade naquela baldeação de aproximadamente uma hora. A autobiografia é, de fato, a maior possessão do jovem brasileiro médio no vigor de seus vinte poucos anos. Que não me permita mentir o advento das redes sociais. 

Além de exibir todos os magníficos feitos da juventude, fazendo com que uma ida à padaria ganhe o glamour de um passeio nos bulevares parisienses, as redes sociais ainda apresentam a insuperável tecnologia de reedição.  Como se sabe, entre as eras que separam as semanas, cabem as transformações epopeicas do perfil e do status e, é claro, a fotografia documental das novas conquistas. Isso se soma aos blogs, flogs, vlogs, e não sei o que logs, que fazem ecoar toda a criatividade e originalidade dos prodigiosos filhos da era virtual.

Ele, porém, era diferente, não utilizava desses meios por vaidade. Eram apenas ferramentas para demonstrar com uma certa moderação o que de melhor havia em si. Sabia que entre o inferno e o paraíso havia um abismo que só seria superado com muito esforço e fé.

Há dois anos atrás, os trinta e cinco minutos do itinerário lhe permitiam alguns minutos a mais de sono.   
Com a decisão dos grandes centros de fazer do Brasil mais uma vez o país do futuro, as coisas mudaram. Agora a cidade era canteiro de obras.  Quer dizer, as vias que ligavam o aeroporto ao centro e o centro ao o novo estádio. Para completar o cenário, veio a estratégia governamental de fazer a nação se desenvolver sobre rodas. Apesar de todos os protestos e de sua particular insatisfação com a classe política, naquela hora do dia ele pensava em termo mais simples. Não é tarefa difícil calcular a equação! Pouco asfalto somado a muitos carros é igual a vinte e cinco minutos a menos de sono, que também se equivalem a mais devaneios mentais trajeto afora.

Olhou para o cobrador, que dividia a atenção entre o celular, que acabara de tirar do bolso, e uma senhora que aguardava pelo troco. Alguns cobradores simplesmente não resistem à tecnologia que lhes confere o direito inalienável de impor seu gosto musical sobre toda a condução. Tocava uma música do repertório popular que não lhe agradava muito. Estava seguro de que esse tipo de arte não chegaria ao céu. Foi o um lapso que interrompeu o turbilhão de memórias. Mas logo se voltou a elas. Todas aquelas lembranças lhe convenciam de uma coisa: o pecado original começou em casa.
Ele não conseguia apontar exatamente de quem era a culpa, mas sabia que ele havia sido uma presa fácil de uma estrutura que o abrangia. Ainda cedo, se entregou às fantasias da retórica e da lógica, presentes na família. Hoje, mais lúcido, ele percebia que isso lhe custara muito caro. Reconheceu que apesar de sua última infância ter sido guiada por valores que agora lhe pareciam tão distantes, sempre lhe rondava a possibilidade de ver as coisas por esse novo paradigma.

Constatou que a cada fase da vida poderia apontar para janelas, que lhe convidavam a enxergar a existência de forma tão clara como agora. Veio-lhe a mente, por exemplo, as palavras que havia escutado da boca de um profeta quando ainda era um pré-adolescente. Naquela época ele não conseguia compreender a dimensão da revelação.  À luz do encontro da ultima semana, aquele episódio se esclarecia. O mundo verdadeiramente não era capaz de entendê-lo. E como poderia? As multidões não são dotadas do conhecimento necessário para apreciar a verdade. A revelação da qual agora ele era um arauto se restringia a poucos, embora ela impactasse a todos.

A freada brusca interrompeu sua última reminiscência. Pensava sobre uma crise existencial da velha adolescência e de sua obtusa insistência em seguir pelo caminho mais alargado. Deixou a reflexão incompleta, era o ponto final! Pegou o livro com a mão direita e ajeitou um caderno de notas. Ali escrevia os pontos para futura devoção. Dali do ponto até o templo eram apenas cinco minutos de caminhada. À medida que se aproximava ia vendo outros que, mesmo vindo das mais variadas destinações, guardavam com ele coisas em comum. 

O modo de se vestir e a maneira de falar eram talvez as mais evidentes entre elas exceto, é claro, no caso de alguns fracos na fé. Convicto de que a escolha do traje era capaz de revelar as mais profundas convicções pessoais, não vacilava nessa disciplina. Era preciso selecionar os panos, os cortes e as cores que refletissem a decência de fazer parte daquela distinta casta. Os mais radicais não se descuidavam inclusive das questões referentes a cabelo e barba.  No fundo ele desaprovava a escolha estética dos neófitos que se juntavam ao grupo. Achava que suas vestimentas eram prova de que ainda não haviam experimentado uma conversão tão sincera quanto a sua. Reconheceu por um momento que o âmbito mais profundo de sua transformação era muito recente e, ao perceber que estava quase a porta, concluía que o pensamento anterior havia sido um lampejo farisaico. Sua desaprovação aos menos fervorosos logo se transformou em um entusiasmo pela catequização. Todos ali eram alvos diretos da mensagem, mesmo que ainda não soubessem disso.

A linguagem também era algo que distinguia aquele grupo do resto do mundo.  Tinham um vocabulário próprio, com palavras que se distanciavam da vida comum. Um emaranhado terminológico que de uma forma ou de outra apontavam para o a escatologia daquela fé. Era uma crença internacional, mas que se materializava periodicamente no encontro daquela congregação local - um microcosmo de um universo bem mais abrangente. Se gabavam em acolher todos os grupos de todos os povos e raça, mas aquela pequena congregação acolhia indivíduos de grupo bem mais restrito.

 A afirmação de que a mensagem devia alcançar a todos era contrariada pela predominância caucasiana e o reduzido número de pessoas vindas das áreas mais pobres. De qualquer forma, arredor do globo o todo era, de fato plural, inclusive com significativo número de discordância entre si. Havia diferentes seitas com diferentes perspectivas e abordagens, mas todas elas orbitavam em torno da crença em um mundo vindouro, onde a paz e a justiça haveriam de reinar. Os mais convictos tinham certeza de que muitas lágrimas precisariam rolar. Afinal de contas, se sacrificar pela causa era parte da própria profissão de fé, ainda que o sacrifício fosse o de sacrificar!

Entrou pela porta e escolheu o assento mais aproximado do púlpito. Abriu o caderno de notas relembrando as inspiradoras palavras do último encontro. O estudo daquele livro chegara a um ponto crucial, o ápice da meta-narrativa que movia e sustentava a ação de todos naquele prédio, que haviam encontrado o caminho. Mal podia esperar pela palavra profética de hoje.
Mais alguns minutos, um homem cujos cabelos brancos testemunhavam a caminhada de fé começou a falar. O pregador lia do mesmo livro que o jovem havia trazido de casa.  Assim que terminou a leitura, aquele homem começou a interpretá-la comentando as passagens minuciosamente. Uma mensagem radical contra o que há de errado nesse mundo. 

Depois das contestações, observava que aquele era, sobretudo, um discurso de esperança. O pastor anunciava um reino vindouro que, independente da vontade dos homens, se realizaria aqui mesmo. Uma nova terra! Advogava que seria mais prudente ficar do lado da História. O jovem passou a fitar com maior intensidade o pregador, que refletia sobre os fundamentos  que haviam de nortear a vida daquelas crianças. Enquanto ouviam o sermão,  sua fé inabalável o conectava aos outros devotos.Algumas raras vezes, quando era apropriado, compartilhavam experiências citando os grandes heróis que corajosamente se encarregaram de propagar aquela tradição ao longo dos séculos. Ele mesmo tinha os seus profetas preferidos e se sentia muito encorajado quando citavam o homem barbudo que postulou a crença e todas as bases para a possibilidade do paraíso. 


Sua vida se enchia de significado ao som daquela homilia. Tinha orgulho de ser um missionário e a essa altura estava ciente de que não deveria poupar esforços para convencer mais e mais pessoas acerca da verdade. Pregar por palavras e atitudes! Sabia que seguir o mover soberano da História significaria ser um agente de transformação. Uma missão pra vida toda, custe o que custar!
Era dia de comunhão, logo depois da reunião poderia mais uma vez compartilhar com seus irmãos a alegria de ser um corpo e o privilégio de beber do mesmo copo. A comunhão  lhe permitia reverberar a mensagem com seus iguais. Conversariam sobre o prazer de ser chamado para impactar o mundo e refletiriam sobre os desafios e possíveis  estratégias de evangelização.

Depois da contemplação de tudo o que era mais sagrado e do compartilhamento da sabedoria vinda dos oráculos - que acima de tudo querem o bem a qualquer preço -, o professor encerrou a aula. No quadro negro, a citação em letras garrafais era o único vestígio de que os fieis estiveram ali.
Lia-se: “os filósofos têm apenas interpretado diversamente o mundo; trata-se de modificá-lo”.[1] Ele saiu depressa para o bar mais próximo do templo, caminhando com seus companheiros. Bocas sedentas por cuba libre e corações ávidos por uma profunda transformação. Caminhava e pensava que aquela dose de materialismo - intrínseco a qualquer análise séria da realidade - o levava a concluir que era preciso ser estupidamente irracional para acreditar em Deus.  Insistia na ingênua afirmação de que a igreja é programa restrito aos domingos e dizia preferir morrer a colocar seus pés em uma catedral.




[1]   Marx, K. – Teses sobre Feuerbach, 1845. Transcrito por Fred Leite Siqueira Campos para The Marxists Internet Archive, disponível em: www.vermelho.org.br/img/obras/feuerbach.rtf .

sábado, 29 de junho de 2013

Não Acredito em Sobrenatural!


           O termo “sobrenatural” refere-se a esfera da realidade que está para além do mundo natural. Consagrado pelo uso recorrente por parte da igreja, o termo possui uma história relativamente recente na tradição cristã.  Somente a partir do iluminismo, com a progressiva ascensão do método científico naturalista, o termo passou a integrar  o rol de categorias da teologia cristã. O uso da palavra “sobrenatural” pode ilustrar  uma legítima tentativa da igreja para se articular contra o  materialismo--  proposição filosófica que restringe a existência aos limites da matéria. No entanto, quero argumentar que a aceitação da noção de “sobrenatural” é reflexo de uma fragmentação do cristianismo. A ideia do sobrenatural  deriva de uma  percepção equivoca da realidade, ela  pressupões um universo mecânico, que subsiste  sem a constante dependência de seu criador.
            David Hume, filósofo escocês apontado como pai do empirismo, baseou seu pensamento na pressuposição de que para ser reconhecido como verdade, um fato precisa passar pelo crivo da análise empírica. Ele revolucionou a filosofia porque seu exclusivismo referente ao método empírico acaba por excluir Deus do escopo do universo conhecível. Se Deus não pode ser averiguado pelo método científico, então não há  nada que se possa saber sobre Ele. Daí  dizer que Hume era um agnóstico—alguém que afirma que não ser possível saber a cerca de Deus. Ironicamente, ao negar a possibilidade do conhecimento de Deus, Hume se torna o único indivíduo capaz de saber sobre Deus, no caso, que não é possível saber sobre a divindade. De qualquer forma, Hume iniciou o movimento que excluiu Deus daquilo que o pensamento moderno chama de mundo natural.
            A consagração do empirismo colocou a igreja em uma situação inconfortável. Restavam então duas possibilidades. Por um lado, a igreja poderia negar de uma só vez a racionalidade do empirismo sob pena de ser  novamente  taxada de retrograda e irracional. Por outro lado, ela poderia encontrar brechas para afirmar sua fé dentro do paradigma da modernidade.  A noção do  sobrenatural é justamente a alternativa  encontrada pela igreja para acomodar a esfera da fé dentro das categorias do pensmaneto moderno. Ou seja, dentro de uma racionalidade que coloca o método científico naturalista como único capaz de mensurar a realidade,  a igreja precisou se render a esfera do sobrenatural como a única alternativa para classificar a experiencia humana em relação a divindade.  O sobrenatural acabou  se tornando o fio de esperança para aqueles que ainda queriam continuar  afirmando o domínio de Deus sobre o universo. A ideia do subrenatural se tornou um suspiro de fidelidade de uma igreja exprimida pela cosmovisnao da filosofia moderna.  Um articulação compreensivel, mas  que trouxe consequências graves para a saúde da teologia cristã. Ao falar em sobrenatural a igreja se submete a uma dicotomia entre mundo natural e mundo não natural,  presente no empiricismo de Hume e no pensamento moderno.
            É preciso recordar que o termo sobrenatural não é utilizado nas Escrituras. Basta observar, por exemplo, as narrativas bíblcas dos feitos de Deus para com o povo de Israel  ou mesmo das curas e prodígios que Cristo operou. Os termos bíblicos usados para se referir a acontecimentos como aqueles são “sinais e maravilhas”.  Essa escolha terminológica por parte dos autores bíblicos reflete uma maneira diferente  de entender o mundo.  Para eles,  a divisão entre natural e sobrenatural não faz sentido, já que eles creem, no mais profundo de suas existências, que tudo o que acontece está debaixo do governo de Deus. Tomás de Aquino, escrevendo na alta idade média, reflete essa cosmovisão bíblica ao afirmava que  “[t]odos os corpos materiais são governados pelos anjos.”[1] Os termos “sinais e maravilhas” são, dessa forma, categorias que possibilitam o reconhecimento de que em alguns casos específicos o governo de Deus sobre todo o universo opera de maneira prodigiosa, o que caracteriza um propósito divino particular. Usando uma linguagem moderna, os escritores bíblicos apresentam uma profunda convicção de que  tanto o nascer dos sol  quanto a ressurreição de Lazaro devem ser vistos como sobrenaturais. A diferença é que no caso da ressurreição de Lazaro, por exemplo, há um significado mais específico referente a uma revelação dos propósitos divinos. Nesse sentido, diferentemente da idea do sobre natural, a linguagem “sinais e maravilhas” denota os prodígios divinos mas  resguardardando o entendimento de que Deus sustenta toda a existência.
            Se submeter a lógica subjacente a ideia do sobrenatural é negar o senhorio do Deus manifestado em Cristo.  Como observa o teólogo David Bently Hart, por detrás da noção do sobrenatural está um mundo mecânico que funciona por si só e que, por isso, não depende da ação contínua de seu Criador.  Hart se refere ao conceito Newtoniano do universo. É um mundo que até reflete a perfeição do criador/relojoeiro, mas que condiciona Deus  aos limites da natureza do universo criado.[2]  É somente dentro de sistema  que pressupõe uma entendimento  neutra e matemática de natureza, que alguém poderia conceber o teísmo--  a concepção de um deus que pode ser racionalmente alcançado mas que é incapaz de apresenta um conteúdo ético e moral tangível. Em outras palavras, o teísmo fala sempre sobre  um deus onipotente, onipresente, onisciente, mas que não possui cara e coração. O Cristianismo, ao contrário propõe um Deus que se torna conhecido em Cristo.  É somente em Cristo, aquele que contraria a lógica do mundo Newtoniano, que somos capazes de conhecer o Deus vivo. Como observa o apóstolo Paulo, Cristo é a face do Deus invisível (Col 1:15), Ele é o único capaz de mediar o conhecimento pleno de  Deus. Deus que se revela em Cristo  sustenta o universo, não o deus newtoniano! Somente o sangue  de Cristo,  conhecido antes da fundação do mundo, pode dar sustentação a própria existência. (IPed 1:20)
            Isso quer dizer que sou contra a ciência? Não! O estudo científico correto também reflete o senhorio divino. Afinal de contas, é somente através da pressuposição teológica de que o universo é inteligível que algo como a ciência pode existir. Se a ciência procura explicar, é porque ela acredita que seu objeto de estudo possui uma explicação possível. A ciência é, nesse sentido, o  ramo do conhecimento mais  contrário ao materialismo.  Ela só  existe porque agasalhar a proposição teológica  de que o mundo possui significado.  Em um universo materialista, em que tudo é matéria, é impossível buscar uma explicação para a realidade. Nesse universo, a própria explicação seria matéria, um produto do acaso e  por isso mesmo sem um significado transcendente.  Sem a fé de que o mundo possui explicação, a ciência desaparece. A ciência, nesse sentido, depende da teologia para existir. Parafraseando o  autor da carta aos Hebreus, sem fé é impossivel agradar a ciência.
Se não é uma crítica a boa ciência o texto é um alerta. Frente a noção do sobrenatural, a igreja precisa resgatar o significado do senhorio de Deus sobre o universo na figura de Cristo. Ela necessita revisitar a noção de que Cristo não se submete a uma explicação matemática do cosmos. Falar de um Deus que se faz homem e morre na cruz é, em um determinado aspécto, abandonar a lógica do sobrenatural  uma vez que é justamente esse Deus que cria e sustenta o universo. O conceito do sobrenatural se submete a cosmovisão que propõe um deus adestrado e previsível, que segue os padrões presente na lógica do mundo natural. Se existe salvação- Deus que se humilha em Cristo  levando sobre si os pecados da humanidade-, então “o sobrenatural” não existe! A lógica da Cruz é o que sustenta toda a realidade visível e invisível e não há mais que se falar em sobrenatural. Essa lógica de amor e graça contraria a concepção de um universo fechado, presente tanto na perspectiva empirista como na cosmovisão Newtoniana. 
 Em Cristo temos a certeza de que o movimento das galáxias, a rotação harmoniosa da terra,  a dança cordial entre o sol e a lua; tudo reflete sua cruz em sua graça, justiça, poder e amor!  Deus não é reflexo do mundo que entendemos por meio da ciências naturais, Ele é a razão pela qual a própria ciência se torna possível. Somente em Cristo entendemos a existência.  É por isso que eu não acredito em sobrenatural!



[1] Tomás de Aquino  citado em Hart, David Bentley. The Doors of the Sea: Where Was God in the Tsunami? Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 2011. Print. 49-52

[2] Hart, David Bentley. The Doors of the Sea: Where Was God in the Tsunami? Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 2011. Print. P 48

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Ruas que Transbordam a Crise de Identidade da Igreja Brasileira

            Enquanto as ruas das capitais brasileiras se enchem de esperança, um vazio existencial se espalha pela  igreja cristã. A crise de identidade dessa igreja cresce a medida que se multiplica o entusiasmo secular de construir um país melhor por vias sociais democratas.  Nas discussões referentes as manifestações “pacíficas” dos últimos dias, uma pergunta tem rondado a cabeça confusa da igreja brasileira :Jesus iria ou  não as ruas para se manifestar contra o sistema? Variadas são as abordagens. Alguns defendem que certamente Jesus sairia para manifestar, que sempre lutou pelas causas dos oprimidos e que não seria agora que se omitiria. Outros dizem que Jesus jamais se misturaria com causas políticas. Há ainda aqueles que entendem que Jesus não iria, mas certamente apoiaria os cristãos a fazer sua parte: ir as manifestações sem o uso da violência. Parece me que todas essas alternativas compartilham de um problema hermenêutico fundamental referente ao papel da Igreja no mundo.
            Stanley Hauerwas é um teólogo americano que apresenta uma voz singular no presente debate sobre a missão da igreja de Cristo. Ele critica a fragmentação do evangelho que pode ser observada através de duas formulações distintas no seio da igreja contemporânea. De um lado, o evangelho espiritual diz respeito ao enfoque de uma mensagem de salvação que opera apenas no âmbito micro-ético. De outro lado o evangelho social diz respeito a uma abordagem sócio-política da vida humana. Hauerwas afirma que ambas as posições se submetem a meta-narrativa da social democracia. A abordagem do evangelho espiritual pressupõe que a igreja deve focar nas mazelas da alma, sendo que os indivíduos devem cuidar da agenda social de forma autônoma ao se engajar democraticamente no estado secular. A abordagem do evangelho social, por sua vez,   foca na transformação dos arranjos sociais e políticos pressupondo que seja possível hastear uma bandeira ecumênica de luta pela paz e justiça.
            Longe de afirmar que o evangelho espiritual não seja um problema, me atrevo a dizer que pelo menos no Brasil essa é uma abordagem fora de moda e já bastante contestada. As grandes editoras cristãs, os seminários teológicos e a eclesiologia brasileira têm flertado de forma consistente com o evangelho social, na figura da teologia da Missão Integral. Não quero pecar por simplismo. Sei que será difícil escutar de um defensor  que a Missão Integral se resume estritamente ao evangelho social. É preciso reconhecer que a Missão Integral se articula de forma consideravelmente mais sofisticada. No entanto,   para evitar entraves terminológicos, sublinho apenas que o pensamento cristão brasileiro tem, de fato, se moldado em torno da noção de que a igreja precisa tornar o evangelho relevante, atendendo  as demandas sociais e políticas contemporâneas.
Hauerwas critica a ingenuidade presente na ideia de que igreja precisa tornar o evangelho relevante. Ele afirma que essa perspectiva parte do pressuposto de que a missão da igreja seria a de simplesmente transformar o mundo. Alertando sobre a incompletude desta abordagem  ele  lembra que a igreja só é capaz de compreender a realidade através de Cristo. Nesse sentido, o próprio conceito de mundo depende do reconhecimento de que Cristo é o Senhor.  Esse é um ponto fundamental que a igreja brasileira tem desconsiderado. Se é somente através da vida, morte e ressurreição de Cristo que é possível compreender a realidade, então a igreja, por definição, não luta pelas mesma coisas que o mundo luta. Para explicar com Hauerwas, “a igreja não sabe o que [paz e justiça] significam fora da vida e morte de Jesus de Nazaré”.[i] Ou seja, a igreja não consegue  se localizar politicamente fora do significado do evangelho e por isso mesmo há uma diferença essencial entre ser Igreja e ser mundo. Daí concluímos que aquilo que Igreja chama de justiça e paz passa a ter um significado diverso daquilo que o mundo chama de justiça e paz.  
 O erro fundamental da Missão Integral é procurar traduzir o evangelho para uma linguagem acessível a qualquer indivíduo,  pressupondo que valores sociais democratas sejam suficientes para construir uma ponte sólida de diálogo. Uma espécie de ecumenismo centrado em palavras chaves como igualdade, justiça e cidadania.  Como Hauerwas observa,  quando um cristão se engaja politicamente acreditando que é possível transformar o mundo através de uma debate que, por natureza, exclui o fato de  que Deus governa o universo, ele já manifesta sua falta de fé. Hauerwas não defende uma teocracia, mas nos alerta que se Jesus não submeteu a agenda de César, temos motivos para suspeitar que, hoje, Ele também  não se submeteria a agenda social democrática defendida pela cidade dos homens. Cristo reconhece que César é sempre uma possibilidade que apenas muda de nome e de endereço.
As palavras de Hauerwas podem soar cruéis e exclusivistas, mas refletem um lado mais radical do evangelho. Um lado que tem sido suprimido pelas correntes ideológicas de nosso tempo. De fato, é o próprio Cristo que declara  que Ele “trouxe a espada”.  Sua palavra e vida criam necessariamente uma divisão entre aqueles que o seguem e aqueles que o rejeitam. A crise de identidade da igreja brasileira acompanha a agenda politicamente correta. Temos nos submetido aos conceitos da moda política como forma de apresentar o evangelho. Construímos um Jesus tolerante e igualitário, pronto a afirmar qualquer comportamento dos chamados oprimidos. Um Jesus que sai as ruas para manifestar, ou um Jesus  que fica em casa   ou , ainda, um Jesus que não vai mas envia manifestantes. Em todos esses casos, um Jesus social democrata, que  se submete a crença de que é possível construir um mundo melhor a partir de um projeto que rejeita Cristo de início.  É um Jesus que admite a lógica contemporânea de que  fé se refere ao âmbito privado e que todos os indivíduos devem se engajar num debate político guiados pela neutralidade secular como único meio de alcaçar o bem comum da humanidade.
Longe de querer apresentar uma resposta definitiva para a questão referente ao que Jesus faria frente as manifestações--isso pode certamente terminar em uma idolatria que resume nosso Salvador a uma ideia—quero apenas reforçar a noção de que Jesus sempre nos surpreende.  Ele surpreende a própria lógica do debate político de opiniões. Jesus não tinha opiniões. Ele é a verdade. Reduzir Jesus a um mero posicionamento opinativo contraria a essência de nosso Salvador. Ele é a verdade que ilumina toda a realidade. É o fundamento ultimo daquilo que existe. Como observa Kierkegaard, simplesmente vivendo Jesus ensina mais que os mais geniais dos mestres.[ii] Ele nos surpreende porque sua vida é a verdade, enquanto nós  carecemos de sua graça para que Ele nos transforme em verdade. Não existe diferença entre o que Cristo pensa e o que ele faz. Ele é. Sem entender essa realidade o mundo perambula em vão, insistindo no projeto de construir Babel. Perplexos diante desse mistério, a humanidade imita Pilatos e escolhe crucificar Deus em nome de um bem maior. Foi Justamente por não entender que Jesus é a verdade que Pilatos preferiu crucifica-lo em nome da pax Romana—a opinião de Roma sobre o que promoveria paz e justiça.  
 Cristo também nos surpreende por sua submissão e serviço. Quando o povo clamava por uma revolta contra Roma  em nome dos oprimidos de Israel, Ele optou por servir, cumprindo a vontade de Deus por uma vida sacrificial. Perceba que a  vida de Cristo contraria a retórica da exigência de direitos. Ele é a prestação necessária para a própria vida.  Cristo surpreende Israel porque Ele leva até as ultimas consequências a realidade de que Deus governa  a história e o universo.  Muitos cristãos que saem as ruas para protestar atendem um clamor geral, demonstrando um certo receio de não se juntar ao coro e ser lembrado como quem ficou do lado errado da história.  Afinal de contas, quem poderia  contrariar a democracia? Cristo nos surpreende porque, contrariando o clamor geral por aquilo que seu tempo entendia como justiça, Ele insiste em se submeter ao Deus pai; O Deus que é soberano para usar inclusive a corrupção dos poderosos para fazer prevalecer Sua vontade. Enquanto o país precisa de educação, saúde e infraestrutura, a igreja sai as ruas para manifestar e exigir,  concordando que, de fato, é o estado social democrático o grande responsável por nos prover os bens necessários para a dignidade humana. Cristo nos surpreende  ao exemplificar que o Reino de Deus não nos impulsiona a exigir, mas nos constrange a ser o que Deus exige de nós.
 Houve um tempo em que o que hoje  chamamos de direitos era visto como a materialização da graça e do amor de Deus por meio da igreja. De fato,  a igreja, apesar de todos os seus defeitos e limitações intrínsecas a própria condição humana, cuidou de agenciar  o amor de Deus ao seguir os passos de Cristo através dos séculos. Quando a igreja passa a acreditar que o estado é que deve prover as prestações essências a vida, ela começa a excluir Aquele que torna a própria vida possível. Ela  transfere para o estado o dever que Deus delegou para si. Vejamos então o contraste entre o que podemos chamar de igreja cliente e a igreja agente. A igreja de hoje exige creches e o fim do aborto, a igreja pré-moderna começou os orfanatos como alternativa para aqueles que queriam abandonar  ou abortar bebês. A igreja de hoje exige educação; a igreja medieval cuidou de guardar os livros e o conhecimento ocidental em meio a uma Europa desestabilizada e desinteressada no saber. A igreja de hoje exige escolas,  a igreja reformada entendeu a importância de ler as leis de Deus e deixou como legado o zelo pela alfabetização. A igreja de hoje exige saúde, a Igreja pré-moderna multiplicou os hospitais assim como os  cristão primitivos cuidavam dos romanos vítimas da peste.[iii]
A crise de identidade da igreja brasileira é resultado da falta de fé na transformação que vem de Cristo.  Transformação essa que  acontece necessariamente  nos limites da alma humana para só depois transbordar, regando toda as relações sociais. O “sistema” nada mais é que o somatório de indivíduos que seguem ou não a agenda do reino de Deus. A igreja que caminha de mãos dadas com o mundo deixa de ser Igreja.  Ela rejeita a missão de se tornar verdade  e  assume o papel de cliente  de um provedor abstrato—o estado. Ela deixa de tomar sua própria cruz abandonando  a rota sacrificial de Cristo e passa a exigir do estado a crucificação dos males externos que supostamente nos impedem de prosperar. A igreja cliente esquece que se há esperança para o mundo, ela só existe porque a luz que a igreja irradia remete a Cristo, farol que ilumina toda a existência.  É essa luz que evidencia o mundo como mundo. A igreja fiel, por ser igreja, apresenta o Cristo que condena o mundo mas que o ama a ponto de entregar a própria vida como um convite ao arrependimento e a conversão.
 Não argumento como alguém de fora. O texto é sobretudo a confissão de um pecado geracional do qual também faço parte. Deixo para que os especuladores deem a  resposta para a questão inicial. Mas humildemente afirmo que enquanto muitos cristãos, de mãos dadas com o mundo, saiam as ruas nos últimos dias para exigir justiça, Cristo continuou sendo a verdade que surpreende. Mais uma vez Ele nos ordena a servir ao invés de demandar favores a César.


[i]  Tradução livre de Hauerwas, Stanley, and William H. Willimon. Resident Aliens: A Provocative Christian Assessment of Culture and Ministry for People Who Know that Something is Wrong. 1 edition. Abingdon Press, 1989. Print. Pag. 38
[ii] Kierkegaard, Soren, and Charles E. Moore. Provocations: Spiritual Writings of Kierkegaard. Orbis Books, 2003. Print. Pag. 54
[iii]  Ver Hart, David Bentley. Atheist Delusions: The Christian Revolution and Its Fashionable Enemies. Yale University Press, 2010. Print.