quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Tretas na Internet e a Idolatria da (in)verdade

"Sem Deus, até mesmo a verdade é um ídolo, até a justiça é um ídolo"- 
                                                                                           Henri deLubac
                         
Em tempos de ilimitado acesso a informação, uma juventude altamente iluminada passa a colar diariamente em suas mídias sociais fatos inquestionáveis recortados nos mais instantâneos e cofiáveis mecanismos de pesquisa online. Num intervalo de um vídeo tutorial, autointitulados especialistas se proliferam a ponto de só haver ensinastes nessa geração. O problema não é somente a popularização da informação na mão de jovens sem o mínimo de treinamento moral para utilizá-la. A tragédia maior é constatar que talentosos jovens, que se dizem cristãos, estão se submetendo a uma danosa fragmentação do conceito de verdade. Acreditam em uma verdade impessoal, insensível com absoluta desumanidade. 

   "O Que é a Verdade? - Jesus e Pilatos" Nikolai Ge

Em seu diário devocional, o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard, reflete sobre a essência da verdade em contraposição a postura moderna em relação ao conhecimento. 
A verdade, explica o filósofo, não é meramente objetiva, não é simplesmente um fato que sabemos ou algo a que nos referimos. A observação de Kierkegaard nos leva a concluir que a verdade como proposição objetiva e impessoal, desconectada da natureza de Deus, é de fato um ídolo moderno.

O ídolo (in)verdade reina apenas lá fora e cria uma falsa sensação de segurança diante do caos. Como todos os demais falsos deuses, ele afirma exatamente quem somos sem exigir de nós a incorporação do que é afirmado. Ele nos paraliza por meio da ideia de que saber sobre  a verdade é exatamente o mesmo que conhecer íntimamente a verdade. Penso que a afirmação de Tiago de que até os demônios sejam conhecedores da verdade, se relaciona a esse conceito deturpado da verdade. 

A verdade aceita pelos demônios funciona como amuleto místico de pretensa ordem e significado mas que produz apenas ódio e caos. É o ethos iluminista de certeza que motiva a revolução em nome da luz mas que se revela plenamente trágica e brutal na guilhotinha de Robespierre. O ídolo (in)verdade, é ferramenta de destruição da humanidade alheia, objeto de manuseio para o convencimento barato e tecnologia para coisificação da vida.  Avalie em si mesmo se os muitos embates que adentramos nas redes em nome da  “verdade de Deus e do evangelho” não escondem, por vezes, o desejo pernicioso de estar certo e de ter razão. Uma atitude de demonstrar que compreendemos e encapsulamos os mistérios da existência em nossa mente. E observe se essas certezas nos levam veloz e ferozmente ao “racca” que o Senhor Jesus condenou como “assassinato”?   

Kierkegaard nos lembra que a verdade expressa nos evangelhos é antes de tudo uma pessoa a quem devemos amar. Se Cristo é a encarnação plena do Verbo, então Deus se manifestou no mundo não como mera objetividade mas como objetiva pessoalidade. A verdade absoluta é uma pessoa que ama a ponto de se entregar em obediência ao Pai para o benefício do mundo. Isso choca o relativismo pós moderno, mas abala cabalmente a impessoalidade cognitivista do conhecimento moderno. Verdade como mera objetividade é uma anti-verdade porque a VERDADE impõe-se sobre nós como Verbo que se entrega. Nos dizeres do filósofo Dinamarquês, "você só conhece a verdade quando ela se torna um a VIDA em você." A verdade do ponto de vista cristão é essência da incorporação do SER. Ou seja, assim como Cristo é O caminho, a Verdade só pode se manifestar por meio desse Caminho. Uma vereda estreita de luta para incorporação da VERDADE. O que Kierkegaard chamou de "reduplicar", que significa existir na verdade que se acredita.

A batalha do Verbo para se manifestar por completo como revelação de Deus em forma humana, vencendo o pecado, sendo morto na cruz e só assim se apresentando a nós como graça e favor imerecido, exige de nós entrega total para que A VERDADE seja incorporada em nós pela via da santificação. A relação possível com a verdade é também de cunho pessoal. Assim, a VERDADE sem AMOR é impossível pois é a negação da própria existência. Veja! contemplar a verdade de forma genuína produz em nós o senso da responsabilidade que nos leva a abraçar uma luta existêncial para viver NA Verdade e proclamar a verdade tendo o amor como a sentinela dos nossos lábios. 


A convicção de estar na Verdade nos possibilita apresentar fatos e argumentos com doçura, amor e graça, não porque possuímos a verdade mas porque Ela habita em nós e assim somo possuídos por Ela.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário